Recepção da Tuna de Santiago de Compostela em Coimbra (1901)

No dia 22 de Fevereiro de 1901 foi recebida, em Coimbra, a Tuna de Santiago de Compostela. Algumas fotografias documentam o “cortejo de recepção” passando pelo Largo da Portagem.

Cortejo passando pelo Largo da Portagem. Os arcos dos violinos indicam claramente que os elementos da TAUC vão a tocar. Podemos observar, lado a lado, as bandeiras das duas tunas: Tuna de Santiago de Compostela (à esquerda na fotografia) e Tuna Académica da Universidade de Coimbra (à direita).

Ampliação de uma área da fotografia anterior: na bandeira à esquerda é visível a cruz de Santiago de Compostela; na bandeira à direita é visível a distinta lança que encimava a primeira haste da bandeira da TAUC, de 1888. Ampliações da bandeira da TAUC (1901|1894) para melhor observação da forma da lança.

Nesta fotografia é possível reconhecer, entre outros tunos, Mário Soares Duque, que mereceu uma elogiosa referencia do colega de curso José Maria Dias Ferrão, redactor do extenso artigo publicado no Diário de Notícias, no dia 21 de Dezembro de 1901.

Outro detalhe da fotografia: Mário Soares Duque tocando viola durante o cortejo (clicar na imagem para observar pormenores).

«Mário Soares Duque
Secretário da direcção
(quintanista de direito)
Entrou para a Universidade no ano lectivo de 1897/1898, com 17 annos ainda incompletos e frequenta comnosco o 4º anno de direito. Dotado dum talento pouco vulgar, dum espírito lúcido e bem orientado, servido por um trabalho metódico e persistente, tem tirado um curso brilhante, merecendo a consideração dos mestres e a estima dos condiscípulos.
Poucos como nós teem tido ocasião de apreciar estes dotes tão invejáveis de intelligência, o carácter lídimo e insinuante que possui, o seu trato affável e lhano que o impõe à sympathia de todos e à admiração de muitos.
Entrou para a Tuna académica em 16 de janeiro de 1900, acompanhou-a nas suas excursões a Salamanca e Valladolid, em fevereiro e março desse anno; à Figueira da Foz e Leiria nos dias 8 e 9 de dezembro do mesmo anno; a Santarém em 2 e 3 de fevereiro último. Logo nesse mez foi eleito 2º Secretário da direcção da Tuna e por occasião da visita da Tuna de Santiago de Compostela a esta academia prestou o novel secretário assignalados serviços. Foi eleito secretário único por grande maioria nas eleições que se realisaram em maio último, altamente disputadas. Tomou parte no sarau que teve logar na sala grande dos paços do concelho em 8 do mesmo mez, promovido pela Associação Liberal de Coimbra.
O seu talento incontestado foi desde logo posto ao serviço da Tuna na elaboração dos estatutos que actualmente a regem.»[1]

Sequência de fotografias do Largo da Portagem, captadas de diferentes ângulos, à medida que evolui o cortejo. A fotografia central é outra cópia da apresentada inicialmente (clicar na imagem para ver com maior detalhe).

À esquerda: uma fotografia deste “cortejo de recepção” foi utilizada num bilhete postal (colecção comercializada pela Papelaria Borges, Coimbra). À direita: uma fotografia da Avenida Navarro, do mesmo ano. A fotografia da direita permite inferir a posição aproximada da câmara fotográfica na da esquerda.

Duas edições do postal, onde se podem observar os retoques (fantasiosos) no edifício (Palace Hotel!).

Eis 2 artigos  do jornal «O Conimbricense» que documentam o programa da recepção, preparado pela cidade.


“O Conimbricense”, anno 54º, nº5:557, quarta-feira, 20 de Fevereiro de 1901
Tuna compostellana
Este distinto grupo de académicos da Universidade espanhola de Santiago, está no Porto, onde teve um brilhante acolhimento. A sua vinda a Coimbra foi transferida para sexta-feira, devendo aqui chegar no comboio da manhã. É isto que ficou combinado com o terceiranista de direito, sr. Santos Monteiro, que foi ao Porto conferenciar com o director da tuna.
Consta que, por parte da nossa academia, se fará uma afectuosa e entusiástica recepção aos briosos e simpáticos tunos de Compostela. Parece que durante esta amável visita não haverá feriados na Universidade.


“O Conimbricense”, anno 54º, nº5:558, sábado, 23 de Fevereiro de 1901
Tuna compostellana
Um grupo de estudantes da notável Universidade de Santiago da Corunha, formando alegre estudantina, veio visitar a Academia de Coimbra, sendo acolhida entusiasticamente não só pelos respectivos corpos docente e catedrático como também por todas as classes da cidade.
Nas fidalgas e penhorantes homenagens que aí têm recebido os briosos compostelanos, está bem frisante a tradicional cortesia e amabilidade requintada da academia e população conimbricense.
Congratulamo-nos com estes sentimentos gerais da cidade, que bem atestam os seus primores de cavalheirismo e o seu elevado grau de civilização e sociabilidade.
Associando-nos cordial e efusivamente ao coro de boas-vindas que aí ressoa dum a outro extremo da cidade, também saudamos na simpática tuna compostelana, a importante, nobre e histórica Universidade de Santiago.

Está Coimbra em festa por ter dentro dos seus muros a simpática tuna compostelana.
A academia, o corpo catedrático, a Câmara Municipal, a Associação Comercial, várias outras corporações e o povo conimbricense, estão-se esmerando, como à porfia, em dispensar aos estudantes espanhóis as mais distintas e cavalheiras obsequiosidades.
Entusiástica e vibrante de calorosas aclamações, a chegada da tuna à estação. Em seguida formou-se um majestoso cortejo, precedido da excelente banda dos bombeiros voluntários, que acompanhou em triunfo a estudantina de Santiago até aos Paços das Escolas, onde foi recebida pelo ilustre reitor sr. dr. Gonçalves Guimarães, conselho de decanos, e corpo catedrático.
Teve lugar na majestosa sala dos capelos a sessão solene em honra dos nossos gentilíssimos hóspedes. Presidência do digno vice-reitor, tendo por secretários os respeitáveis lentes decanos de teologia e direito sr. conselheiro Silva Ramos e dr. Paiva Pitta. A sala repleta de altos funcionários, muitas damas, académicos, e representantes de todas as classes. Nos doutorais tomaram assento 30 catedráticos, agrupados por faculdades. Nas galerias bastantes senhoras das principais famílias de Coimbra. Dentro da teia as duas tunas, tomando lugar junto da escada central, a um e outro lado, os dois porta-bandeiras.
O aspecto da grandiosa sala era tudo quanto há de mais luzente e majestoso.
À entrada dos espanhóis ecoou uma demorada salva de palmas, levantando-se entusiásticos vivas às universidades de Santiago e Coimbra, a Espanha, etc.
O acto principiou pela leitura do ofício do ilustre reitor da Universidade Compostelana, apresentando ao da Universidade de Coimbra a tuna de Santiago.
Em seguida o sr. vice-reitor leu uma erudita alocução, dando as boas-vindas aos tunos.
Seguiram-se a discursar brilhantemente, saudando com efusão e entusiasmo os académicos de Santiago, o srs. dr. Mendes dos Remédios, dr. Daniel de Mattos, dr. Rocha Peixoto e conselheiro Bernardino Machado.
Em nome da academia de Coimbra cumprimentaram os tunos espanhóis, produzindo formosas e correctas orações, os srs. Santos Monteiro, do 3.º ano de direito, e Costa Ferreira, do 2.º de Medicina.
Falou em último lugar, com transportes de eloquência, agradecendo àquela grandiosa manifestação, o presidente da tuna compostelana, o sr. D. Luiz Cornille, um rapaz vivo, insinuante, em extremo simpático.
Todos os oradores foram calorosamente aplaudidos e alguns até efusivamente abraçados pelos seus colegas.
A esplêndida e memorável assembleia, terminou levantando-se vibrantes saudações à Espanha e Portugal e suas academias.

Pelas 5 horas da tarde os tunos espanhóis vieram aos Paços do Concelho apresentar os seus cumprimentos à municipalidade. Recebeu-os amavelmente a câmara, e discursou brilhantemente, saudando os tunos de Santiago, o ilustre presidente sr. dr. Dias da Silva.

O sarau no teatro circo decorreu animado, estando a sala à cunha. As duas tunas executaram magistralmente, sendo muito aclamadas. O presidente da Associação Académica de Coimbra ofereceu ao presidente da tuna espanhola uma formosa, rica e artística palma, guarnecida com flores artificiais, de que pendiam largas fitas de seda das cores nacionais de Portugal e Espanha.
Durante o espectáculo houve sempre a melhor ordem. Nos camarotes, todos cheios, viam-se algumas das mais consideradas famílias de Coimbra.
A sala apresentava uma distinta ornamentação.
Neste magnífico sarau colaboraram as duas tunas, discursaram o presidente da estudantina espanhola sr. D. Luiz Cornille, Santos Monteiro, presidente da Associação Académica, e Matta e Dias; recitaram poesias Dona Mesquita Paul e Chaby; e disseram monólogos Raul d’Abreu, João de Carvalho e Mello Chaves.
Ao digno comissário de polícia sr. dr. Pedro Ferrão, fez a academia, num dos intervalos, uma expressiva e eloquente manifestação de simpatia.

Os estudantes espanhóis foram aboletados por casa de académicos e por algumas repúblicas.
Ontem e hoje houve feriado na Universidade.
Os principais edifícios públicos arvoraram bandeira.
A noite passada iluminaram os paços da Universidade, câmara municipal, Associação Académica, etc.

A tuna espanhola voltou hoje aos paços municipais e ali executou algumas peças do seu escolhido reportório, em obséquio à digna vereação.
Assistiram numerosas damas, académicos e pessoas de todas as categorias sociais.

A tuna compostelana foi também ao quartel do regimento de infanteria 23, cumprimentar o sr. comandante deste corpo, que exerce igualmente as funções de comandante militar, sendo amavelmente recebida pelo sr. coronel Victorio de Freitas e oficiais de infanteria 23.

Também hoje se realizou a recepção e copo d’água oferecido pela Associação Comercial.
Este acto revestiu notável brilho e aparato. A mensagem, lida pelo 1º secretário sr. Afonso de Barros, foi em seguida entregue ao presidente a tuna dentro duma formosa e artística pasta, de pelúcia azul, com ornatos de prata, confeccionada pelo hábil ourives sr. Manoel Martins Ribeiro. A um dos lados da frente da pasta, destaca-se a figura dum tuno dedilhando uma guitarra. Na parte superior lê-se o monograma T. C., e na inferior, numa placa, esta dedicatória:
«À tuna compostellana – Associação Comercial de Coimbra – 1901».
A mensagem, documento primorosamente redigido, termina assim: «Sem novos mundos para descobrir, façamos conquistas na ordem moral, estabelecendo em firmes bases o direito na humanidade. São esses os ardentes votos desta Associação que, num entusiástico viva à fidalga Espanha, renova as suas saudações aos seus ilustres filhos e nossos queridos hóspedes.» Durante a taça de champagne, com excelente e profuso serviço de doces, levantaram-se calorosos brindes.

Hoje realizar-se-á ainda a sessão solene na sala do Instituto, promovida pela Tuna Académica de Coimbra com o fim de festejar a visita dos seus colegas de Santiago de Compostela.
Amanhã de manhã, visita a tuna espanhola aos monumentos de Coimbra, as quintas das Lágrimas e Portela, Penedos da Saudade e Meditação, Choupal, etc. À tarde jantar de gala no theatro-circo em honra dos estudantes de Santiago, e à noite novo sarau.
A partida para o norte deve ser na próxima segunda-feira.

Os académicos portuenses, saudosos dos seus camaradas compostelanos, tencionam preparar-lhes, no seu regresso de Coimbra, uma calorosa manifestação de despedida.


Pesquisa e digitalização de informação: José Nascimento e António Nascimento

Edição digital e restauro de imagem: Ana Amélia R. A. Geraldo

Análise e apontamento online: Adamo Caetano

7 de Agosto de 2017

[1] “Diário de Notícias”, n.º12.951, 38º ano, sábado, 21 de Dezembro de 1901.