Para uma história da regência da TAUC, desde 1888

Quando a Tuna Académica de Coimbra nasceu, em 1888, e o professor da cadeira de música anexa à capela da UC (Faculdade de Theologia), o Dr. António Simões de Carvalho Barbas (1849 – 1916), assumiu a sua regência, essa jovem associação musical-dramática de estudantes da universidade não lhe pagaria uma remuneração. Intui-se isso a partir do seguinte: José Augusto Ferreira da Silva, um conhecido professor de música na cidade de Coimbra, escreveu um artigo, violentíssimo, intitulado «A aula de música da Universidade», publicado no jornal «A OFFICINA», Semanário da classe operária, Coimbra, no dia 3 de Junho de 1889, no qual afirma: «Mas, dirão os patronos d’este professor, que basta a direcção da Tuna para merecer o que ganha.».[1]

Manuel Raposo Marques (Ribeira Grande, 2 de Novembro de 1902 – Santa Maria, 4 de Setembro de 1966), aluno da Universidade de Coimbra (Faculdade de Letras e Direito) desde 1923 e tauquiano, tocador de bandola, começou a reger a Tuna e o Orfeon, pontualmente. «A partir de 1926, é regente substituto do Orfeon, por impossibilidade quase permanente de saúde do regente titular» (o padre Dr Elias de Aguiar) e a partir de 1932 também regeu a TAUC, provavelmente sem qualquer renumeração.  Em Novembro de 1936 — já depois da morte de Elias Luís de Aguiar (Vila do Conde, 2 de Fevereiro de 1880 – Coimbra, 13 de Março de 1936) — foi publicado o decreto-lei 27:277 que “resolveu” o assunto do financiamento do director artístico de dois organismos académicos de Coimbra que tinham conquistado visibilidade e prestígio, contribuindo para a imagem da Universidade de Coimbra e da sua Academia.

O ganha-pão do maestro Raposo Marques ficou assegurado até à sua morte, súbita, em 1966, mas embora ele continuasse, oficialmente, a receber como maestro dos dois grupos, a partir de 1953 (e até 1961) o maestro da TAUC foi o doutor eng.º Francisco Alves Ferreira, professor da FCTUC, que quis reger graciosamente a TAUC, durante esses anos, como resultado de um conhecido acordo estabelecido entre ele, a direcção da TAUC e o maestro Raposo Marques, para que o amigo Raposo e a TAUC não saíssem prejudicados. A dificuldade que conduziu a esta situação resultava do facto de as digressões dos dois grupos (Tuna e Orfeon) serem agendadas para os mesmos períodos (férias da Páscoa) e o maestro Raposão, não se podendo partir em dois, preferia o Orfeon, que era a menina dos seus olhos. O Eng.º Ferreira Alves, de forma generosa, resolveu esta situação com grande proveito para a TAUC, pois a sua dedicada regência foi um período glorioso de elevação da fasquia artística, mas no futuro ressurgiria, para as direcções da TAUC, a dificuldade de assegurar a remuneração de um maestro.

Diário de Governo, 24 de Novembro de 1936, I série, pag. 1509.

Diário de Governo, 24 de Novembro de 1936, I série, pag. 1510.

«O Diário de Coimbra» da AAC, 1927 (não confundir com o alcunhado “Calinas”, isto é, com o «Diário de Coimbra» fundado em 1930 por Adriano Lucas). Nas fotografias, dois tauquianos que brilharam na TAUC, nos anos 20, e foram em 1925 ao Brasil: Castanheira Lobo, director do Grupo Dramático da TAUC e Raposo Marques, o tocador de bandola que foi maestro da TAUC durante 21 anos (1932 a 1953).

Pesquisa e digitalização destes documentos – António Nascimento, 2014.

[Para saber mais sobre os Maestros da TAUC.]

A. Caetano, 26 de Abril de 2024

[1] A OFFICINA, Semanario da classe operaria, Coimbra, 3 de Junho de 1889, VII ANNO, n.º 333
Artes e Officios
A aula de música da Universidade
Estamos no fim do anno lectivo de 1888 a 1889, sendo nesta occasião que o professorado scientifico da Universidade vae mostrar o resultado dos seus trabalhos d’ensino perante o paiz que lhes paga. Ha, porém, o professor de musica da mesma Universidade, que tambem vae justificar ao paiz a sua inutilidade e falta de cuidado em honra da cadeira de que explora 300 mil réis annuaes, quantia que o mesmo não vale por qualquer título.
Mas, dirão os patronos d’este professor, que basta a direcção da Tuna para merecer o que ganha. Porém, como a nação não tem por em quanto a obrigação legal de sustentar Tunas, embora sustente muito Tunante, é preciso que alguém ponha cobro á patifaria, secularisando a aula fóra da Universidade e da capa e batina a onde possa ser mais proveitosa.
E de mais: a aula tambem foi criada para os filhos dos habitantes d’esta cidade, e que teem o mesmo direito que qualquer académico. E se alli não vão, é porque não estão dispostos a soffrer o desprezo de uma classe que se considera privilegiada pelo seu foro, o que não acontece se fôr secularisada e fiscalisada pela auctoridade civil.
Receber 300 mil réis annualmente com a certeza de não ter alumnos, é uma chuchadeira que só pode servir para quem explora gananciosamente sem mais respeito pelos que pagam. E os alumnos que particularmente ensina por paga, deve de ensinal-os na aula publica, gratuitamente; pois é para isso que a cadeira foi criada.
Se eu fosse professor de tal cadeira, não tinha cynismo para chegar ao fim de cada anno sem mostrar que tinha merecido o ordenado, porque chamaria discípulos á aula, e não os leccionava em casa, particularmente para lhes levar dinheiro. E fallo assim, por que já tenho leccionado muitos alumnos gratuimente sem ser professor official.
Mas, cada homem tem o seu feitio moral, e cada qual dá o que tem.
A imprensa local, que talvez não tenha notado a existencia d’este logro á nação, faz um optimo serviço á sociedade, se pedir a secularisação da aula de musica da Universidade para fóra d’aquelle estabelecimento, afim de que possa aproveitar aos filhos do povo gratuitamente. É um grande beneficio de justiça que faz pela sua terra.
Coimbra, 28 de maio de 1889.
José Augusto Ferreira da Silva
Esta entrada foi publicada em Divulgação. ligação permanente.