Leiam esta historinha publicada num jornal brasileiro, em 1889.
Pacotilha. Jornal da tarde. São Luis (Brasil), 23-08-1889, p. 3.
En: Gil-Orozco Roda, Luis. El guitarrista Gil-Orozco. El artista, el hombre y su tiempo. Valencia, 2011, pp. 107-112, 123. «[…].
Tobozo, que já realizára vários concertos em guitarra de seis cordas, achava que, se fora possível augmentar o numero destas, tornar-se-hia muitíssimo mais agradável o instrumento. Mandou fazer uma nessas condições e ficou encantado com os effeitos que conseguio. Abandonou a guitarra de seis cordas e começou a estudar na de onze. Alguns mezes mais tarde, desejando dar um concerto e não se considerando ainda completamente seguro do novo instrumento, voltou ao primitivo. Amarga decepção! Tobozo perdera, com o estudo na guitarra de onze cordas a execução que tinha na de seis. Não pode realizar o concerto sob pena de fazer fiasco completo, elle, que estava acostumado a obter sempre enorme successo. Qualquer outro na sua situação faria em mil pedaços a guitarra de onze cordas e voltaria a estudar com affinco na de seis, sobre a qual havia mais certesa de bom exito. Tobozo tomou uma resolução heroica. Metteu-se em casa, guardou muito bem guardada a guitarra de seis cordas, mandou chamar um barbeiro, e, a despeito da sua reluctancia, dos rogos de sua família. Tobozo obrigou-o a que lhe raspasse o bigode, a barba, o cabello e as sobrancelhas! Neste bello estado fechou-se em um quarto com a guitarra de onze cordas e poz-se a estudar, a estudar com um desespero e uma constancia de que elle só seria capaz. Orosco, notando a ausencia do amigo, foi procural-o. Introduzido no quarto onde se achava Tobozo com a guitarra de onze cordas, Orosco julgou-se ludibrio d’algum espírito maligno que se comprazia em apresentar-lhe imaginação quadros pavorosos e extravagantes. Via diante de si uma forma exquisita – corpo de homem, cabeça incomprehensivel – sentada em uma cadeira a dedilhar uma guitarra monstruosa que produzia sons plangentes.
— Tobozo, meu amigo!
— Sou eu, respondeu a forma phantastica, continuando sempre a tanger as inúmeras cordas do instrumento extraordinario.
— Impossível! tu não és Tobozo, o meu amigo!
— Sou Tobozo todo inteiro, sem os cabellos, bigode, barba e sobrancelhas, explicou Tobozo, relatando ao amigo todas as peripecias da situação. Orosco não queria a princípio acreditar no que lhe referia o amigo, mas, convencido da veracidade do caso pela prova palpitante da guitarra de onze cordas e da ausência do cabelo, do bigode, da barba e das sobrancelhas de Toboso, [teceu] considerações a respeito.
— Mas que loucura, Toboso! segregares-te da sociedade, por um capricho de sucesso duvidoso é o cumulo.
— Eu hei de tocar a guitarra de onze cordas como a de seis, ou não sairei daqui!
— E a pandega, os divertimentos, os espetáculos?
— Quero saber tocar guitarra de onze cordas!
— ¿Y las mujeres, Toboso?
— ¡La guitarra de once cuerdas, o la muerte! Orosco, convencido de que não dissuadiria o amigo, teve a coragem de vir fazer-lhe companhia, mas sem raspar o bigode, a barba, nem mesmo o cabelo. Dado o tempo necessário a que Toboso pudesse puxar as guias do seu novo bigode, anediar a sua barba, pentear o seu cabelo, eram notáveis os resultados que obtivera do estudo a que se dedicara. Quando apareceu ao público, fez um sucesso inenarrável. Quantos o haviam aplaudido nos concertos de guitarra de seis cordas, ficaram maravilhados pela sua execução na de onze. E daí datou a sua reputação de guitarrista sem rival. […].»
Este artigo faz crer que Jose Toboso está na origem da viola de 11 cordas, mas será assim?
A.Caetano, 21 de Abril de 2024